sexta-feira, 21 de novembro de 2014

A QUÍMICA DO SIGNO DE ESCORPIÃO VI


Phoenix Soul, de Clinton Kun. Fonte: Devian Art.

Não identificação

Chega um momento na vida de qualquer um em que o indivíduo anseia ardentemente identificar-se com a pessoa amada, e com a comunhão que brota de um relacionamento estável, e é mantida pelo sentimento de grupo.

O desejo agora é de ser mais que um, tornando-se diferente do que se é. É de perder o próprio isolamento e mesclar-se com outros: alienar a própria mente em favor do todo e fundir-se na unidade das almas; desistir dos próprios sonhos e inflamar-se com uma visão Eucarística – são, todos esses, sintomas da paixão de identificação que acomete todo indivíduo na esteira de alguma metamorfose crucial.

Em sua forma mais simples e primordial, esse grande anseio de identificação é conhecido como impulso sexual – e, desse modo, o signo zodiacal de Escorpião tem sido tradicionalmente associado a esta atividade básica da experiência humana. Mas o sexo – em seu aspecto consciente e humano – é só a mais elementar das manifestações de um anseio que empolga todas as separadas estruturas do mundo das almas.

Os egos individuais são tão suscetíveis à paixão de identificação quanto os organismos biológicos. O espírito da mariposa adentra a chama que lhe atraiu o voo apaixonado. Toda alma é absorvida naquilo que ela adora. Toda consciência se transforma naquilo com que ansiou sistemática e ardentemente identificar-se.

Todo viver espiritual é um paradoxo. Aquele que quiser realizar seu grande sonho precisa identificar-se com o sonho, e o que deseja tornar-se divino tem de amar a Deus com paixão que a tudo consome. Entretanto, o sonhador deve permanecer sendo testemunha de seu sonho, para evitar que seja absorvido pela própria sombra de seu ideal; e o devoto não pode “conhecer” a Deus, salvo se permanecer como continente da divindade. A identificação só pode ser eficaz através da não-identificação da consciência com o processo de identificação. Deixar-se consumir pelo Fogo, e não obstante zelar pela chama – este é o alvo. E, este alvo só pode ser alcançado usando-se este dom magicíssimo do espírito: a virtude da não identificação.


Todos os homens, mulheres e crianças estão vivendo dentro de um mar psicológico onde fervilham incontáveis Imagens com as quais eles podem vir a identificar-se. Identificação pode significar fraqueza; pode revelar força. A identificação dever ser uma fase no desenvolvimento. O homem firmado no espírito, seguro em sua Identidade individual, ultrapassa-a em sua jornada. Conscientemente, ele faz o papel esboçado pelas Imagens. Ele é o fogo, e ele é a lareira. Ele está contido, e é o continente. Embora todo seu ser vibre ao influxo do poder, ele permanece firme, conhecendo. Ele contém poder como um motor contém erupções explosivas de moléculas. Ele abrange e usa esse poder que multidões de homens menores verteram sobre a Imagem em sua identificação apaixonada e incontrolável.

É preciso haver identificação para que haja plenitude de substância e de poder para utilizar. O homem precisa ousar perder a alma a fim de alcançar a condição em que possa fazer uso da Alma protéica do Todo. Precisa ousar beber tanto o copo como a água, e descobrir-se como não sendo nada, antes de pretender conquistar a capacidade de utilizar tudo. Esta capacidade é o Eu. Ele é espírito em ato. É livre de identificação, porque pode usar os poderes nascidos da identificação com qualquer Imagem necessária para toda atuação que lhe seja requerida.

Todo viver espetaculoso é vivido em nome de uma Imagem, ou de um deus; pois só um viver assim pode esperar obter a vassalagem de grupos e de coletividades. É o Mito que triunfa, não a personalidade que se tornou investida do poder a Imagem mística. Mas, grandes personagens espirituais são indivíduos que refundem a forma do Mito no molde de suas próprias vitórias individuais. Eles passam a ficar identificados com o Mito, mas neles, e a partir deles, o Mito renasce.

A técnica que conduz a isso é essencialmente a do desempenho ritual. Nessa técnica, edificam-se formas que dão ao indivíduo, ou ao grupo, a capacidade de conter o poder liberado durante o processo de identificação com as grandes Imagens do Inconsciente. Essas formas (estruturas de comportamento, formulações verbais, gestos consagrados, sequências tonais, etc.) adquirem força resistente através da repetição exata. Elas se tornam os continentes do poder psíquico. Elas ligam a vontade e a atenção dos homens, assim como a química liga as moléculas na fabricação dos plásticos. Elas são – se forem fiéis ao espírito – os meios por intermédio dos quais os indivíduos podem ousar fazer face, sem reservas, aos poderes nascidos do relacionamento – social e internacional, tanto quanto sexual e pessoal – sem se deixar absorver totalmente por esses poderes a ponto de perder a própria identidade.

As técnicas evocativas manifestam-se nos cerimoniais de todos os tipos – nos campos da ação oculta ou religiosa, na política, no mundo dos negócios, na guerra ou na celebração da vitória. As técnicas invocatórias operam principalmente através do que se conhece como prece ou meditação oculta, ou mediante a expressão artístico-literária individual.

Em essência, a “invocação” é uma chamada do espírito. Os portais da alma são conservados abertos ao influxo espiritual onde a necessidade seja extrema e mais agudamente reconhecida.

Esta é a glória e tragédia do indivíduo humano – o mistério do homem “perante o limiar”; pois o poder do homem reside em seus contrastes e em sua capacidade de se querer inteiro. O homem é contraste e paradoxo, o eterno claro-escuro, luz e sombra. Ele está em sua maior exaltação onde sua paixão dinâmica é mais aguda, entretanto sua totalidade é mais abrangente; quando, em sua alma, os opostos sempre se encontram em inter-relação rítmica e criativa.

O homem é a paixão movente do universo. Não há nada tão profundo que ele não anseie experimentar em identificações cruciais. Não há profundezas que o espírito não possa alcançar através do homem apoiado no Eu e sereno no fulcro de todas as tempestades. O homem é o fogo e a lareira, a lenha e o sacrifício, o devoto e o sacrificador. Todas as coisas são possíveis através do homem evocador do poder, invocador do poder, invocador de Deus. Todas as coisas são possíveis “com Deus”.

Tríptico Astrológico, D. R.

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